Terror em Hiroshima

 

Maior reportagem de todos os tempos continua atual sessenta anos depois de lançada

 

Seis de agosto de 1945 é sem dúvida a data mais vergonhosa da história da humanidade: foi neste dia que a cidade portuária de Hiroshima, no Japão, foi atingida pela bomba atômica lançada pelo Enola Gay e viu sua população se reduzir pela metade de uma vez só, enquanto a metade sobrevivente parecia mais morta do que viva. Na época, era comum o pensamento de que a covardia cometida pelos americanos contra os japoneses foi um meio de salvar mais vidas acabando com a guerra. A sociedade aos poucos começaria a pensar que a bomba atômica era apenas mais um armamento moderno, conseqüência aceitável da evolução tecnológica, assim como o avião ou o míssel.

 

John Hersey, ao escrever a mais célebre reportagem de todos os tempos intitulada com o nome da cidade violentada pela pior catástrofe da história, faz cair por terra a justificativa dos americanos e denuncia o horror e o desespero vivido pelos cidadãos de Hiroshima não só naquele fatídico dia mas ao longo de suas vidas. A matéria seria publicada tomando uma edição inteira da revista The New Yorker  de 31 de agosto de 1946, aniversário de um ano da tragédia.

 

Para cumprir a difícil tarefa de mostrar à humanidade o terror da bomba atômica, o jovem jornalista passou 17 dias no Japão tomando depoimentos de hibakushas, dentre os quais estavam os seis sobreviventes que têm suas histórias cruzadas no livro. Dois médicos, um padre alemão, um reverendo, uma viúva e uma escriturária foram os encarregados de relatar ao mundo a mais terrível experiência que já vivenciaram.

 

Hersey intercala as narrativas de seus personagens de forma direta, mas nem por isso oficialista, como costumavam ser as reportagens da época. A história por si só já é demasiadamente trágica; cabe ao repórter apenas deixá-la fluir, destacando os fatos acima de tudo, e foi isso que ele fez: “Dos 156 médicos existentes em Hiroshima, 65 estavam mortos e os restantes se encontravam, na maioria, feridos. Das 1.780 enfermeiras, 1.654 estavam igualmente mortas ou impossibilitadas de agir.” Com informações como essa, não é preciso ênfase particular algum por parte do autor.

 

Ao ler o livro, tem-se a sensação de que não existe a figura do mediador, e era isso mesmo que  Hersey almejava com seu estilo narrativo claro e objetivo: tornar a experiência do leitor o mais direta possível, julgando o evento a partir de suas próprias concepções e não de opiniões já emitidas pelo autor.

 

A história, humanizada através das experiências dos personagens, torna-se muito mais concreta para o mundo do que os números da catástrofe: “O reverendo se lembrou das grandes queimaduras que tinha visto durante o dia: amarelas a princípio, depois vermelhas e intumescidas, com a pele solta, e, à noite, supuradas e fétidas. Com a montante da maré a haste de bambu se tornara curta demais, e ele teve de usá-la como remo na maior parte da travessia. Chegando ao lado oposto, carregou os corpos viscosos ribanceira acima. E repetia para si mesmo: ‘São seres humanos’. Precisou fazer três viagens para transportá-los até a barranca.”

 

Como se passagens marcantes igual a essa já não fossem suficientes para tornar a matéria de Hersey impecável, o repórter ainda retorna ao Japão 40 anos depois de sua primeira viagem para reencontrar seus personagens e descobrir o que havia sido feito da vida de cada um deles. Percebe que os seis viviam relativamente bem, mas que as marcas da bomba ainda deixavam vestígios tanto em seus corpos, quanto em suas mentes, ainda que suas memórias já começassem a falhar. Para que o mesmo não acontecesse à memória da humanidade, Hersey nos deixou seu relato, mais atual do que nunca para uma sociedade que acaba de presenciar o 11 de setembro e a Guerra do Iraque.

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