“Quando eu crescer, quero ser famosa”

22/06/2009 19:07

 

O gosto do ser humano em ser reconhecido pelos seus atos e admirado por todos não é coisa recente. Já na Odisséia de Homero, escrita por volta do século VIII a.C., rapsodos e aedos – poetas e cantores que iam de cidade em cidade na antiga Grécia – cantavam glórias e feitos de heróis como o divino Ulisses, tornando-os famosos para as elites palacianas que apreciavam as poesias recitadas pelos artistas.

 

Do mundo homérico para o das celebridades instantâneas do século XXI, muita coisa mudou. Quem faz o papel de aedo - no entanto sem poesia nem música alguma para entreter a plateia e transformar a glória dos heróis em arte - é a mídia. Não só as elites, mas todas as classes são atingidas pela cobertura exaustiva que a imprensa destina  aos “famosos”. E, infelizmente, nem sempre os feitos daqueles que povoam as páginas dos jornais e revistas, sites de fofocas, programas de TV e afins são dignos para tornarem essas pessoas reconhecidas e apreciadas.

 

Ou seria uma deplorável legião de mulheres-fruta, ex-participantes de reality shows, cantores convencidos de que música se limita a um refrão repetitivo cantado em cinco velocidades, dançarinas de programas de auditório que figuram por aí seminuas, ex-namoradas de jogadores de futebol e demais bizarrices que somos obrigados a engolir cada vez que ligamos a TV realmente um modelo a ser seguido e admirado pela população de um país?

 

Em uma sociedade na qual o eliminado do Big Brother Brasil 200 (quem sabe?) de hoje é o mais novo “chique e famoso” de amanhã, fica cada vez mais latente uma lamentável inversão de valores: no longínquo tempo de Homero, ser conhecido não era objetivo principal dos heróis que enfrentavam a ira dos monstros e deuses; a admiração era antes conseqüência da honra e valentia de seus atos. Hoje, ao contrário, ser famoso não é um meio para divulgar seu trabalho, suas ideias, seus feitos admiráveis, mas sim um fim.

 

A rapidez com que pessoas comuns são transformadas em celebridades por uma indústria ávida por caras novas e a importância dada e essas new faces  não só pela imprensa, mas pela opinião pública em geral, faz com que cada vez mais indivíduos, atraídos pela vida fácil e glamourosa dos que estão sempre nos holofotes, mandem seus vídeos para a seleção do Big Brother, tentem uma participação em programas de calouros como o quadro “Se vira nos 30” do Faustão, se submetam ao ridículo de protagonizar brigas e discussões em programas sensacionalistas do cunho de Ratinho, pelo simples desejo de “querer aparecer”.

 

Caberia à mídia, que, como seu próprio nome diz, supostamente media o debate público, separar o joio do trigo e não supervalorizar a trajetória de pessoas que alcançam a fama não por mérito, mas simplesmente porque queriam se tornar famosas (e, em muitos casos, conseguem). Este desejo de reconhecimento e admiração inerente ao ser humano, aliado a uma fetichização da condição de famoso e a uma cobertura muitas vezes irresponsável e excessiva da imprensa, fará chegar mais rápido do que se pensa o dia em que uma garotinha, questionada sobre o que quer ser quando crescer enquanto assiste ao programa da Xuxa, responda para uma atônita, mas depois orgulhosa, mãe: “Quero ser famosa”.

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